Acho a ampulheta um objeto tão interessante, interessante e assustador. Cada grão de areia que cai jamais voltará, e mesmo que ao terminar a areia ela seja virada, os grãos voltarão a cair, mas o tempo já será outro. O tempo jamais volta.
A leitura de um livro (Sapiens. Uma breve história da humanidade) me fez pensar sobre o tempo. Segundo especulações da história e arqueologia, o homo sapiens (sim, a mesma espécie deste que vos fala, a mesma espécie de vós que aqui estais a ler) nunca teve tanto tempo vago para descansar, fofocar, ou mesmo observar a natureza quanto em sua época de caçador-coletor. Com o advento da agricultura e domesticação de espécies animais, estivemos cada vez mais ocupados cuidando das lavouras, dos rebanhos, dos predadores e tantos outros problemas que surgiram quando os bandos largaram sua vida de andanças para se fixar em pequenas aldeias.
Já na vida moderna, criamos coisas para economizar tempo. Criamos o fogão a gás, o micro-ondas, máquina de lavar roupa, louça, geladeira, comida congelada e fast-food (comida rápida) dentre tantas outras coisas, tudo para nos poupar tempo. Mas porque então essa sensação infindável de que nunca temos tempo?
A julgar pelas tecnologias recentes, pelas facilidades, por tudo que foi incorporado recentemente à vida humana, não deveríamos ter mais tempo para ficar ao lado de pessoas queridas? Mais tempo para brincar com os filhos? Mais tempo para passar com amigos queridos? Mais tempo para projetos pessoais? Mais tempo para o lazer?
Tão certo quanto a Terra não ser o centro do universo, é o fato de não ser possível mais vivermos de caça e coleta, nem mesmo que quiséssemos dada a proporção que a raça humana atingiu na ocupação do planeta. Assim, precisamos deixar nossos lares todas as manhãs para executar um trabalho (aparentemente desagradável a julgar pela feição de muitos) que nos permita comprar alimentos para a subsistência de nossa família.
Cerca de 45 horas semanais são gastas em atividades para terceiros (com grande variação ao redor do mundo claro), atividades que muitas vezes não são feitas de bom grado, com amor e dedicação, mas sim unicamente pensando no pagamento que receberá ao final do mês e permitirá a subsistência da família.
Não quero aqui entrar no mérito de condições de trabalho, valorização, justiça e outros aspectos, não é este o objetivo. Acredito que há um propósito maior na vida.
“Se você ficar parado, a estrada não se moverá debaixo de seus pés. Se o trabalho é ruim ou você se sente explorado, bem…, faça algo ou daqui um ano estará exatamente na mesma situação, nem um passo à frente, talvez alguns para atrás.”
Das 168 horas semanais que temos à nossa disposição, restam então 123. Supondo noites de sono bem dormidas, com 7 horas de sono cada, restam-nos 74 horas. Para onde vão estas 74 horas semanais?
Claro que há as “perdas”, onde pouco ou nenhum proveito é possível, como por exemplo as idas e vindas para o trabalho dentro de um ônibus em nossos “modernos e eficientes” sistemas de transporte “privados”.
Ainda assim, resta em nossa ampulheta mais tempo do que aquele dedicado ao trabalho fora. Porque é tão difícil tornar esse tempo produtivo? Porque os grãos de areia vão escorrendo por entre os dedos e nada conseguimos fazer? Por vezes nem mesmo percebemos!
Os humanos aprenderam a fazer uso de plantas, aprenderam a domar os animais, moldar substâncias e minerais do solo, entendeu a luz, o som, a energia nuclear, estamos decifrando o cosmo, a matéria das estrelas, …, mas o tempo, haaa o tempo. Esse continua se esvaindo por entre nossos dedos minuto a minuto, segundo a segundo. A ampulheta cósmica não para, as areias do tempo insistem em não revelar seus segredos, em seu ritmo constante, grão a grão, escorrendo por nossos dedos.