Volta e meio chega até nós alguma publicação alarmista do tipo “32 profissões ameaçadas por robôs nos próximos 20 anos” ou ainda “Estas profissões podem acabar até 2030 (ao menos para os humanos)” ou ainda “Veja as profissões do futuro e aquelas que vão deixar de existir”.
Fato é que não são tão alarmistas assim. As coisas estão mudando, e estão mudando num ritmo acelerado. Alarmista seja, talvez, a sensação de insegurança ou medo que estas matérias produzem em nós, quando na verdade não há nada de novo nos fatos por elas relatados. Nós que olhamos para a história de forma míope, com visão muito curta, e não conseguimos enxergar as repetidas vezes que profissões nasceram e morreram.
Basta pesquisarmos um pouco para encontrarmos também publicações que não se limitam a anunciar um apocalipse zumbi de androides versus humanos. A Forbes publicou recentemente um texto muito interessante discutindo justamente a extinção e criação de novos empregos por parte dos avanços da Inteligência Artificial. Aqui encontramos outro exemplo, mais resumido, mas que também esclarece alguns mitos relacionados a Inteligência Artificial e suas aplicações.
Alexandre Pellaes nos traz umas reflexões interessantes em sua fala no vídeo abaixo. Apenas para citar um exemplo:
Os robôs e os softwares vão roubar o que a gente conhece como emprego, mas eles não vão roubar o nosso trabalho e a nossa capacidade produtiva
Alexandre Pellaes
Paulo Fernando Silvestre recentemente levantou também essa discussão em seu texto com ótimas reflexões e visão de mercado, vale a leitura.
A questão é que muitos enchem a boca para praguejar e amaldiçoar a tecnologia que está tirando tantos postos de trabalho. Isso apenas mostra o quão egoístas conseguimos ser. Sim, egoístas.
Quando você se dirige ao caixa eletrônico para realizar uma transferência de valores por exemplo, o sistema automaticamente consulta se há disponibilidade e em poucos minutos você mesmo realiza a operação sem a necessidade de enfrentar fila e perder a metade do seu dia. Imagina só a quantidade de trabalhadores que foram necessários para se chegar ao que hoje conhecemos como caixa eletrônico? Trabalhadores que desempenham atividades que não existiam a poucas décadas. Você provavelmente não pensa: “coitado do caixa (humano), será que ele perdeu o emprego?” Provavelmente a sua sensação é: “como a tecnologia é maravilhosa” especialmente pelo tempo que ela te ajudou a economizar para outras tarefas. O atendente do caixa não perdeu seu emprego, ele continua existindo em todos os bancos, mas está realizando outras tarefas mais importantes e complexas.
Voltando alguns bons anos atrás, para realizar a mesma transferência seria mais ou menos assim: você se dirige ao caixa (humano) e faz sua solicitação. Este vai até uma sala imensa de arquivos e procura as pastas com os registros das duas contas, torcendo para que quem os acessou na última vez os tenha guardado no lugar correto. Algum tempo depois, ele volta com as pastas e toda a papelada, verifica se há saldo suficiente na conta de retirada, preenche a papelada, você assina, e tudo é arquivado em ambas as pastas. Ufa. Cansei só de escrever. E ai? A tecnologia é assim tão ruim por tomar esse posto de trabalho e permitir que você mesmo execute essa operação em poucos minutos em um caixa eletrônico?
Ou ainda, a revolução industrial nos permitiu a facilidade de locomoção a uma velocidade antes difícil de imaginar. Hoje você pega seu carro na garagem e rapidamente pode estar em outra cidade. A indústria automobilística se espalhou pelo globo abrindo milhares de postos de trabalho que provavelmente irão morrer quando esta indústria evoluir ou perder espaço para sua versão mais evoluída (vide tvs a cabo e Netflix), mas continuará tendo trabalho a ser feito por humanos. E os criadores de cavalo? Sim, devemos pensar neles. O que será que aconteceu? Afinal, antes dos automóveis dominarem as ruas, estas eram ocupadas por charretes e cavalos. Percebe como a ação permanece, se locomover, mas a forma evolui?
Poderia aqui citar inúmeros exemplos, mas acho que já ficou claro a mensagem. As evoluções sempre encerram (matam mesmo) algumas atividades, em contrapartida criam novas. É claro que a proporção nem sempre se mantém.
O que acontece, e aí talvez a maioria não goste, é que toda evolução exige também a nossa evolução, e isso também não é coisa nova. É assim desde que o homem dominou o fogo. O caixa do banco que trabalhava com pilhas e pilhas de papel precisou evoluir para trabalhar com um sistema informatizado. O condutor de charrete precisou evoluir para trabalhar como motorista de um automóvel. Aqui há uma verdade inconveniente, se você não evoluir constantemente, você sim estará fora do mercado de trabalho em poucos anos, não importa sua formação ou a atividade que você desempenha.
Hoje, tudo ocorre de forma muito acelerada e nem sempre sabemos lidar corretamente com tudo isso ou no tempo oportuno, mas como disse, não é exclusivo de nossa geração ou deste século. Está acontecendo desde que o homem decidiu parar de perambular pelo mundo e se fixar em uma região, plantando e domesticando animais, afinal, os caçadores, coletores e pescadores precisaram evoluir, aprender a plantar e a domesticar os animais e não apenas caçá-los.
Steven Johnson, em seu livro “Como Chegamos até Aqui”, conta uma história interessante que retrata muito bem o surgimento e a morte (evolução) de trabalhos.
Você já pensou em vender gelo? Mas não estou falando desse gelo que conhecemos hoje, que é entregue em saquinhos. Estou falando em vender gelo em 1800. Se você está pensando que nessa época não existia comércio de gelo, você está certo.
Depois de uma viagem ao Caribe, mais especificamente para Havana, Frederic Tudor, desconfortável com o extremo calor da região (especialmente para alguém de regiões frias como Rockwood, já próximo ao Canadá) ficou imaginando como seria lucrativo a venda de gelo em lugares quentes como Caribe.
Em 1805, decide empreender o primeiro carregamento de blocos de gelo retirados dos grandes lagos da região, para Havana. Contratando inúmeros funcionários para a chamada “colheita do gelo” (olha aí uma nova profissão), procedeu com a tarefa de cortar enormes blocos de gelo dos lagos congelados e armazená-los no navio recém comprado para o empreendimento, o que foi noticiado pelos jornais da região em tom de piada.
O primeiro problema que Tudor enfrentou foi inesperado, ao menos para ele (faltou estudo de mercado rsrs). Os moradores dos trópicos simplesmente não sabiam o que fazer com gelo. Nunca tinham visto gelo e ficavam se perguntando qual a utilidade de algo que derrete ao sol e vira água. Outro problema foi que Tudor ainda não tinha arrumado um lugar adequado para armazenar o gelo. Assim, sua primeira viagem foi um completo desastre, vendendo alguns poucos blocos de gelo para alguns poucos curiosos.
Sendo persistente e sem entender direito os reais problemas de seu insucesso, Tudor realizou inúmeras viagens nos anos que se seguiram, tão desastrosas quanto a primeira. A fortuna da família se esvaiu e, em 1813, Tudor foi parar na prisão por dívidas não pagas.
Negociando tarifas mais baratas, começou a arrendar navios e não mais manter uma frota. Após anos de pesquisa, constatou que a serragem (farelos do processo da serragem da madeira, abundante na região) era um ótimo isolante térmico, fazendo com que o gelo durasse quase o dobro do tempo e, depois de tanto insucesso, trabalhou em seu próprio armazém nos trópicos para armazenar adequadamente seu produto.
Em 1815 Tudor tinha conseguido montar as peças chaves do quebra cabeça do gelo: colheita; isolamento; transporte e armazenamento. Durante esse tempo o gelo foi se tornando mais conhecido, assim como suas propriedades, em especial o sorvete, tornando-o assim um produto mais propício para a venda.
Na década de 1820, Tudor já tinha depósitos de gelo por toda a América do Sul. Na década de 1830, Rio de Janeiro e Bombaim já recebiam regularmente gelo de Tudor, tornando-o um homem milionário. O sucesso foi tanto e o gelo se tornou tão importante na vida das pessoas que muitos entraram no ramo de exportação e venda de gelo. Em 1850 mais de 100 mil toneladas de gelo saíram dos lagos congelados de Boston para o mundo. Em 1860, duas em cada três casas em Nova York contavam com entregas diárias de gelo. O trabalho e esforço de Tudor transformaram atividades como transporte e armazenamos de alimentos, em especial carne, que agora podiam ser refrigerados com gelo.
Chegando agora ao outro ramo desta história, vamos para 1842. O médico John Gorrie se sentia impotente diante de seus pacientes com febre, sem nada que pudesse ser feito para ajudar a baixar a temperatura. Buscando uma forma de reduzir a temperatura de seus pacientes, teve a ideia de suspender blocos de gelo que resfriavam o ar e, por, conseguinte os pacientes. A ideia deu resultados.
Furacões e outros intempéries por vezes faziam os carregamentos de gelo atrasar ou nem mesmo chegar, deixando assim o hospital sem gelo. Buscando uma solução, Gorrie iniciou estudos em busca da produção caseira de frio que pudesse substituir o gelo vindo de tão longe. Por incrível que parece, ele conseguiu desenvolver uma máquina que resfriava o ar.
Gorrie chegou a requerer uma patente de sua invenção, mas não ganhou um centavo com ela. Graças aos esforços de Tudor, o gelo era abundante, barato, e Tudor empreendeu uma campanha difamatória alegando que o gelo produzido pela tal máquina era contaminado por bactérias (qualquer semelhança com a treta moderna entre taxistas e Uber NÃO é mera coincidência).
Mas, uma vez escolhido o caminho da evolução, este não pode ser barrado, talvez retardado, mas não barrado. Não tardou até que outros pesquisadores chegassem a projetos iguais ou muito semelhantes ao de Gorrie. Nas décadas seguintes à guerra civil, a refrigeração artificial eclodiu e o comércio de gelo começou seu declínio.
Uma nova indústria surgiu, teve sua época de ouro e entrou em declínio, assim como os trabalhos por ela criados também se tornaram desnecessários. O comércio de gelo natural foi aos poucos dando lugar à grande indústria da refrigeração, que, assim como o comércio de gelo lá no seu início, criou uma série de novos trabalhos que talvez deixarão de existir no futuro. Quem sabe o que a evolução nos trará?
Assim, respondendo a pergunta feita no título: As Máquinas irão te Substituir? Creio que a resposta mais sensata seja: só se você permitir. Provavelmente em algum momento elas passarão a fazer o trabalho que você desempenha hoje, mas apenas te substituirão se você permitir, se você ficar parado no tempo.
Colaborador: Antônio Júnior, Manaus, AM.
Bem, por hoje é isso.
Abraços e até a próxima