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Memória. Será que meu celular vai ficar igual minha avó?

Foto de Fredy Jacob na Unsplash

Júlio estava na cozinha preparando uma xícara de chá e biscoitos para sua vozinha, que aguardava sentadinha à mesa ali perto. A campainha tocou. Júlio despejou a água fumegante em uma xícara e foi atender.

– Alan, que bom que você veio. Precisava mesmo tirar umas dúvidas contigo.

– Olá Júlio. Tudo bem? cumprimentou Alan.

– Tudo ótimo. Estou preparando chá para minha avó. Venha, entre.

Os dois se dirigiram à cozinha. Júlio colocou a xícara de chá diante de sua avó recomendando – cuidado vó, está bem quente – e, pegando um pote de biscoitos caseiros, o destampou, colocou um generoso punhado em um prato e colocou sobre a mesa.

– Olha – disse sua avó com a voz bem rouca e pausada de uma senhora já de idade avançada – temos visitas. Vão ficar para o almoço? Preciso colocar água no feijão.

– Vamos sim vó – respondeu Júlio rindo.

Alan não entendeu nadinha. A confusão ficou estampada em seu rosto.

Pegando dois copos de leite quente e colocando sobre a mesa, Júlio puxou duas cadeiras, ofereceu um a Alan, junto com os biscoitos caseiros suculentos e iniciou a conversa:

– Olha, ganhei este celular de presente, mas olhando a caixa fiquei todo confuso. Primeiro, aqui diz que ele possui 64 Gbytes de memória, mas em seguida, diz que ele possui 4 Gbytes de memória. Como isso é possível?

Alan, se servindo de alguns biscoitos, começou a rir.

– É normal a confusão Júlio – disse ainda rindo – mas é simples.

– O que é isso? – houve o som de uma voz rouca e pausada e um dedo de pele já bem enrugada apontando para o eletrônico nas mãos de Júlio.

– É um celular vó.

– Celular?

– É.

– E pra que serve um celular?

– Pras falar com as pessoas vó.

– Que besteira. No meu tempo nós falávamos com as pessoas e não precisávamos dessas coisas.

Alan riu da situação.

– Sua avó tem razão Júlio. Você não especificou que serve para falar com pessoas fisicamente distantes.

– Isso vai acabar te matando menino – concluiu a senhora molhando mais um biscoito no chá e o levando a boca.

– Mas então – continuou Júlio – meu celular tem 4 ou 64 Gbytes de memória?

Tem os dois – respondeu Alan de forma séria – e fique feliz por isso. Se faltasse uma das duas memórias seu celular não passaria de um peso de papel.

Júlio, após um instante de silência, ainda processando o que acabara de ouvir, prosseguiu:

– Mas por que então 4 e 64 se na verdade são 68 Gbytes de memória?

– Porque são tipos de memória diferentes.

A senhora se levantou de forma lenta. Pegou o prato de biscoitos e saiu. Instantes depois retornou, aquele andar lento, meio corcunda, pegou sua xícara de forma bem firme, com as duas mãos, virou-se, e saiu novamente.

Os meninos se levantaram, pegaram seus copos já pela metade e a acompanharam até a sala.

Ela se sentou em uma poltrona confortável, bem em frente aos biscoitos. Os meninos se sentaram no sofá de três lugares.

Ao sentarem, ela os olhou de cima a baixo. Abriu um alegre sorriso e disse:

– Crianças. Gosto de crianças. São a alegria de uma casa. Vocês moram aqui por perto? Vão ficar para o almoço? Preciso colocar água no feijão.

– Vamos ficar sim vó mas não se preocupe com o almoço. Sua filha, minha mãe, fará isso.

– Minha filha? exclamou a senhora em tom meio assustado – eu não tenho filha. De onde você tirou essa história. Sou uma mulher solteira.

Júlio ria. Ria da situação e mais ainda da cara de Alan. Aproximando-se do ouvido de Alan, disse:

– Não estranha, minha avó tem alzheimer.

– Isso explica tudo – cochichou Alan.

– Mas então – continuou Júlio – agora estou mais confuso ainda. Meu celular tem 4 Gbytes de memória e 64 Gbytes de memória e apesar de ser tudo memória e tudo medido em Gbytes você diz que são diferentes?

– Sim, são diferentes – afirmou Alan. Olhando ao redor o garoto continuou – Estamos no lugar perfeito para te explicar essa diferença. Está vendo aquela estante de livros ali no canto?

– Sim – respondeu Júlio ainda confuso.

– Como você a descreveria?

– Como uma estante de livros? respondeu em tom de interrogação sem entender direito o que Alan queria dizer.

Sala com duas estantes de livros.
Imagem de Ferenc Keresi por Pixabay

– Sim – disse Alan rindo – é uma estante de livros, mas tente abrir sua mente. Tente observar outros detalhes. Não há mais nada que possa ser dito sobre a estante de livros?

– Bom… prosseguiu Júlio meio incerto – ela possui 5 prateleiras.

– Isso é importante.

– Sério? indagou Júlio ainda sem compreender o por quê.

– Sim. Se todas as 5 prateleiras estiverem cheias de livros e você ganhar mais um livro, ele caberá na estante?

– Bem… não, apenas se algum livro for retirado da estante e o novo ocupar seu lugar.

– Sim, e ainda assim perceba que, mesmo que um livro seja retirado da estante, o novo livro só poderá ser acomodado se for menor ou no máximo do mesmo tamanho do livro retirado.

– Verdade – afirmou Júlio.

– Tem mais alguma coisa que você pode dizer sobre a estante Júlio?

– Bem… não me ocorre nada.

– Aquele livro grande ali – disse Alan apontando para um volume grosso de lombada escura e letras douradas – O Senhor dos Anéis. O que você pode me dizer sobre ele?

Júlio observou o livro por um momento enquanto pensava em algo. Por fim disse:

– Bem, ele está na terceira prateleira de baixo para cima.

– Perfeito. Mais alguma coisa?

– Hum… Na terceira prateleira, da esquerda para a direita, ele é o sexto livro.

– Excelente – disse Alan todo empolgado – perceba que agora você deu a localização exata do livro na prateleira. Essa informação é muito importante. Com ela qualquer pessoa consegue pegar esse livro e te entregar sem a necessidade de ler o título do livro.

– Entendi – disse Júlio meio frustrado – mas qual a relação dessa estante aqui na sala com as memórias do meu celular?

– Toda – disse Alan cheio de trejeitos com os braços – Me diga Júlio, se você quiser ler um desses livros você consegue fazer isso na estante?

– Na estante? Tipo, como se eu entrasse ou sentasse nela?

– Isso.

– Não, claro que não – disse Júlio de forma enfática entre risos.

– Então – continuou Alan com ar todo intelectual – isso nos leva a conclusão de que a estante é apenas um espaço que serve para guardar ou armazenar livros. Certo?

– Certo.

– E, se você quiser ler um dos livros, você precisa então retirar o livro da estante, sentar em algum lugar confortável para então ler o livro.

– Sim – concordou Júlio balançando a cabeça.

– Agora Júlio, imagine que você está fazendo uma pesquisa escolar e precisa consultar vários livros. Como você faz isso?

– Eu pego todos os livros da estante? respondeu Júlio meio incerto de sua resposta.

– Ok, mas o que você faz com os livros que você retirou da estante. Fica segurando todos eles?

– Não. Preciso me sentar em algum lugar e colocá-los sobre uma mesa para então realizar a pesquisa.

– Isso – disse Alan mostrando todos os dente de tamanho sorriso – você precisa colocar os livros retirados da estante sobre uma mesa para então realizar sua pesquisa, consultar cada um. E quantos livros cabe sobre a mesa?

– Depende da mesa. Esta aqui por exemplo cabe no máximo uns cinco – disse apontando para a mesinha de centro onde estavam apoiados os copos e o prato de biscoitos.

– Isso Júlio, muito bem. Agora você consegue me dizer a principal diferença entre a estante e a mesa?

Júlio coçou a cabeça certo de que não havia acompanhado o raciocínio de Alan. Ainda assim disse:

– Bem, a mesa é baixa e redonda e a estante é alta e comprida?

Os dois gargalharam alto.

Menino lendo em uma mesa.
Foto de Anita Jankovic na Unsplash

– Eu perdi a piada?

– Não vó. Não foi piada – disse prontamente Júlio.

– De certa forma foi – disse Alan ainda entre risos.

– Ok Alan, mas qual a diferença entre a mesa e a estante de livros?

– Lembre-se da nossa conversa até aqui. A estante de livros serve apenas para armazenar livros. Quando você deseja pesquisar, ler, consultar livros, você os retira da estante e os coloca sobre uma mesa.

– Então podemos dizer que a estante funciona como um estoque apenas para guardar coisas e a mesa é como uma área para se trabalhar?

– Isso Júlio, agora você entendeu – disse Alan sorrindo exaltado.

– Meu Jesus como esse menino ri – disse a senhora também rindo – querem biscoitos meninos? Estou com fome, vou preparar um chá para mim.

– A senhora acabou de tomar chá vó – disse prontamente Júlio piscando para Alan.

– Sério? disse a senhora meio confuso – que estranho, não me lembro de tomar chá.

Os três riram alto.

– Então Júlio, a relação da estante, da mesa e das memórias é a seguinte. Perceba que tanto a mesa quanto a estante podem possuir livros. Na estante, quando estão guardados, ou quando não estão sendo utilizados. Na mesa, quando estão em uso. Nossos celulares e computadores possuem dois tipos de memória, uma para guardar coisas, assim como a estante de livros, e outra para trabalhar, assim como a mesa. A memória para guardar coisas normalmente é chamada de HD nos computadores, que é a abreviação de Hard Disc em inglês, que significa disco rígido. Nos celulares apenas são chamadas de memória de armazenamento, justamente porque servem para armazenar coisas. Lembra do joguinho que a Margarida queria instalar no celular dela?

– Sim, lembro.

– Pois bem. O processo de instalar é semelhante a guardar o joguinho no celular dela, assim como pegar um novo livro e colocar na estante.

– Então o joguinho só pode ser instalado se tiver espaço na estante do celular dela?

– Exato. No seu celular essa estante possui o tamanho de 64 Gbytes.

Hard drive
Foto de Vincent Botta na Unsplash

Então a outra memória é a mesa? perguntou Júlio com um sorriso de que agora havia entendido.

Exato – disse Alan rindo alto. A senhora também riu, lembrando aos meninos que ela ainda os ouvia, agora com mais atenção – essa memória, tanto nos computadores quanto nos celulares é conhecida como memória principal e ela é semelhante a mesa utilizada para pesquisa. Quando você instala um joguinho no celular, esse joguinho é guardado na memória de armazenamento, ou seja, é colocado na estante, quando você vai jogar, ele então é retirado da estante e colocado na memória principal, na mesa, para você então jogar.

Um pente de memória ram.
Imagem de headup222 por Pixabay

– Então, se não tiver uma das memórias…

A pergunta nem foi concluída. Um rapaz franzino exaltado e alegre já iniciou a resposta:

– Não funciona. Sem a memória de armazenamento, a estante, você não conseguirá salvar nada em seu celular e sem a memória principal, a mesa, você não conseguirá abrir nada.

– Ufa… Já estava achando que tinham se enganado ao montarem meu celular.

Os dois riram. Não, os três.

– Meninos, que alegria você virem me visitar. Vão ficar para o almoço? Preciso colocar água no feijão.

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Wagner Gaspar

Capixaba de São Gabriel da Palha, Espírito Santo. Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Amazonas e mestre em informática pela Universidade Federal do Espírito Santo.